Disputa contra planos de saúde aumenta na Justiça
Estudo feito pelo Observatório da USP, a partir da análise de quatro mil decisões de segunda instância do tribunal paulista, de 2013 e 2014, constatou que 92,4% dos acórdãos deram razão ao usuário. Em 88% dos casos, o pleito foi integralmente acolhido.
Os planos de saúde, cuja regulamentação completa 20 anos este mês, estão sendo cada vez mais alvos de ações na Justiça. Nos primeiros quatro meses deste ano, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou 10.313 ações contra as empresas nas primeira e segunda instâncias. O estudo do Observatório de Judicialização da Saúde Suplementar da Universidade de São Paulo (USP) mostra que o volume de decisões é o maior já registrado desde 2011, comparando o mesmo quadrimestre. Em 2011, entre janeiro e abril, foram julgadas 1.864 ações. Na comparação com as ações registradas no mesmo período de 2018, houve um crescimento de 453% em oito anos.
— Os números dos tribunais refletem a persistência dos abusos, apesar dos 20 anos da lei. A Justiça é a ponta do iceberg, pois a maioria das pessoas não recorre ao Judiciário, mas ao SUS ou paga do próprio bolso para garantir seu acesso à saúde — diz Mário Scheffer, coordenador do Observatório da USP e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
Usuária há 23 anos de um plano de saúde, a professora Claudia Corrêa Dantas, de 56 anos, passou a ter uma série de problemas com a operadora. O plano alegou que um pagamento estava em atraso e, mesmo depois de a usuária apresentar o comprovante de pagamento, a operadora deixou de enviar a carteirinha, o que a impedia de iniciar tratamentos de saúde:
— Nunca vi tanta bagunça de uns tempos para cá. Tive um problema e procurei um especialista. No consultório, ligaram para o plano e, mesmo sem o documento obrigatório atualizado, fui atendida por cortesia. O médico acabou não cobrando a consulta. Foi uma gentileza.
PLANOS COLETIVOS SÃO 80%
Estudo feito pelo Observatório da USP, a partir da análise de quatro mil decisões de segunda instância do tribunal paulista, de 2013 e 2014, constatou que 92,4% dos acórdãos deram razão ao usuário. Em 88% dos casos, o pleito foi integralmente acolhido.
A presidente da Associação Nacional dos Ministérios Públicos do Consumidor (MPCon), Alessandra Garcia Marques, preocupa-se com o fato de que, duas décadas depois de estabelecido o marco regulatório, a maior parte dos problemas encaminhados às promotorias seja relacionada à cobertura. E alerta para as discussões em tramitação no Congresso, que desde o ano passado reuniu 156 projetos sobre planos de saúde em tramitação num único texto, o 7.419/2006.
— Essa briga por cobertura demonstra claramente que, se ampliarmos a desregulamentação, com planos de cobertura ainda mais reduzida, aumentarão os recursos ao Judiciário. O problema no Brasil é que as empresas, quando passam por períodos difíceis, com risco de prejuízo, recorrem ao legislativo para mudar o marco legal, em lugar de repensar gestão, de encontrar formas de assistência que promovam de fato a saúde e não cuidem só dá doença e de reduzir o desperdício.
Para o presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Reinaldo Scheibe, o setor precisa discutir um modelo de sustentabilidade:
— O país precisa de uma política nacional de saúde. A falta de coordenação e de protocolos encarece tanto o sistema público quanto privado. O Brasil é campeão mundial de realização de ressonância magnética. O que vemos é uma multiplicação de exames e procedimentos desnecessários. Por isso, defendemos a coparticipação para que o usuário também seja estimulado a se preocupar com o custo da saúde.
Outra característica do modelo de saúde suplementar que impacta diretamente o acesso à saúde é a predominância de contratos coletivos e empresariais. Atualmente, 80% dos contratos são coletivos e menos de 20% individuais, que têm reajuste controlado e não permite a rescisão unilateral de contrato. O número de usuários nos dois modelos de planos era equilibrado até 2003, quando começou a haver um aumento significativo dos coletivos, que um ano depois já reuniam 15,9 milhões de usuários, o dobro dos planos individuais.
Sem a opção de contratar planos individuais, muitos consumidores optam por estabelecer relações empresariais para ter acesso a preços mais baratos. Criam, por exemplo, empresas familiares para contratarem planos para suas famílias. E há empresas que simulam vínculos para enquadrar o beneficiário em contratos de planos coletivos por adesão — modalidade de serviço oferecida por uma pessoa jurídica a um determinado grupo como sindicatos e associações profissionais.
Outra distorção que se expandiu diante da pouca oferta de planos individuais foi a de registro como Microempreendedor Individual (MEI). Neste caso, o consumidor constitui uma pessoa jurídica só para fazer a aquisição de plano de saúde empresarial. A ANS identificou a manobra e, no fim de 2017, regulamentou a cobertura para contratos de empresários individuais.
MAIS EXIGÊNCIAS PARA MEI
Agora, além de exigir uma inscrição mínima de seis meses, o empresário individual deve apresentar documento que confirme a sua inscrição nos órgãos competentes, bem como a sua regularidade cadastral na Receita Federal. Para manter o contrato, o MEI deverá conservar a regularidade. E as operadoras deverão exigir esses documentos em dois momentos: quando da contratação do plano e anualmente, no mês de aniversário do contrato.
— O objetivo da ANS foi coibir abusos dos dois lados. De um lado, o MEI sem registro ativo. Na outra ponta, as operadoras que cancelavam o contrato quando aumentava a utilização por parte do usuário. Agora, esse rompimento só poderá ser feito no aniversário do contrato — explica o diretor-presidente substituto da ANS, Leandro Fonseca.
A medida, no entanto, diz Ana Carolina Navarrete, do Idec, não protege o consumidor:
— A esses empreendedores deveria ser garantido o plano familiar. Neste caso, teriam mais proteção, inclusive em relação ao reajuste. Mas a ANS não obriga que as operadoras mantenham esse tipo de oferta.
Fonte: oglobo
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